quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Antes da eternidade

Passou tão rápido. Passou tão rápido e carregou tudo pro passado. Passou tão rápido e varreu as dores pra debaixo do tapete. Mas e se eu não estiver pronta? E se eu não estiver pronta pra deixar de ser aquela com os joelhos ralados? Ou aquela com um sonho que parecia difícil demais, e que parecia tão mais difícil do que sonho? Ou aquela com o coração perambulando por aí com alguém? E se eu não estiver pronta pra deixar pra trás aquilo que já foi sepultado? O que você vai fazer, tempo? Será que me arrastará, então, pra sepultura, pra que eu possa fingir viver com aquilo que não tem mais vida? Ou me arrancará de lá e me fará ver que, pelo amor de Deus, eu mal comecei a viver? Me jogará dentre os vivos, os deprimidos e os irritantemente felizes e me fará olhar para aquilo que você ainda não levou de mim? O problema é que passa tão rápido. É um sopro. E tudo é tão efêmero que se torna difícil demais ter uma noção de eternidade. Mas ela chegará. E então, tempo, eu enfim terei te vencido. Serei eu, Ele e nenhuma dor debaixo do tapete. Serei eu, Ele e quem Ele quiser. Serei, enfim, bem mais que um sopro. Terei vencido a ti. Antes disso, porém, preciso vencer a mim mesma. 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

No nosso amor não teve começo. Não teve fim. So teve meio. Mas se no meio coube a gente, não coube na gente nenhum meio. Nem meio termo, nem meio jeito, nem meio beijo, nem meio amasso, nem meio desejo. Nem meia palavra, nem meio som, meio gesto, meio verso, meia rima, meia vida, meia boca. No nosso anseio, em meio ao meio, coube um copo cheio de nós dois.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ternura - Vinícius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora