quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Maria

Maria saia de casa todos os dias às seis da manhã, antes de percorrer um longo caminho a pé para chegar ao trabalho. Trabalhou durante vinte anos na mesma indústria, por volta dos anos 50 aos 70, até que teve sua função substituída pelo maquinário.
Durante todos esses anos, Maria cumpriu sua rotina religiosamente. Deixava os filhos com a avó e jamais permitiu que lhes faltasse comida, ainda que isso custasse todo seu tempo e esforço. Depois que perdeu o emprego, passou a fazer artesanato, atividade que a ocupou até a velhice.
Embora muito carente e sem estudo, era uma mulher sabia, daquelas que carrega consigo toda a experiência e os ensinamentos que a vida oferece. Sempre que a encontrava, gostava de ouvir todas as histórias que contava, algumas sobre si mesma, outras que inventava na hora. Falava sobre a vida, amores e fé sempre com seu jeito bem humorado, que nos rendia várias risadas.
Da última vez que a vi lúcida, com uns 84 anos, estava cuidando dos netos. As marcas no seu rosto e mãos mostravam os estragos que o tempo e a vida haviam lhe causado. Seu sorriso, vindo da boca quase sem dentes, continuava firme. Me disse que estava feliz, embora cansada. Costumava dizer que eu precisava ser mais paciente, que o melhor ainda viria. Eu, vendo a velhice se aproximar, não conseguia pensar da mesma forma, mas apenas fazia que sim com a cabeça, para evitar que fosse contrariada.
A morte foi generosa com Maria: tardia, silenciosa, indolor. Morreu de velhice, dentro de casa. Costumava dizer que não tinha medo de morrer, que seria um descanso. Sabia pra onde ia. Havia plantado dignidade durante toda a vida. Dentre tantas dificuldades, dizia que a recompensa viria no final. E tenho certeza que foi o que ocorreu. Eu devia ser a única amiga de dona Maria, assim como ela também era a minha única amiga. Sinto falta de sua companhia, mas sei que hoje ela olha por mim, sorrindo e dizendo: não tenha pressa, querida. Em breve verás que tudo valeu a pena.

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