quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Um

Chamava-se José. Assim mesmo, puro. Apenas José. Mais um Zé entre milhões. Com nome simples, comum, cotidiano. Entretanto, o nome era seu único laço com a simplicidade. José sempre fora complicado. Desde pequeno, queria ser o mais forte, imponente, sábio. Ele, na verdade, nunca foi criança. Nasceu um adulto pequenino, com uma cabeça cheia de cobranças.

Seus pais nunca compreenderam. Esforçaram-se para dar todas as condições para que seu filho pudesse crescer livre de complicações, mas nada adiantava. Era uma criança bonita, rica, com tudo nas mãos e sem nenhum amigo. Embora recebesse todo amor e atenção, não demonstrava o mesmo por ningúem. A verdade era que José estava sempre em busca de um problema que justificasse o fato de ele não conseguir ser tudo aquilo que almejava: melhor que todos. Como não encontrou nenhum, tornou-se o problema personificado.

Já adulto, virou o homem que mandava. Embora não conseguisse comandar a todos, como era seu desejo, começou comandando a própria casa, coisa que fazia muito bem, obrigado. Afinal, se logo cedo aprendeu a manipular os próprios pais, fazê-lo com seus filhos, esposa e empregados não seria uma tarefa difícil. Mandava, sobretudo, em si mesmo. Não se permitia fugir da rotina, dar um sorriso, um bom dia ou derramar uma lágrima fora de hora. Para ele, tudo isso era apenas formalidade.  

Por conta do seu comportamento metódico e ríspido, muitos comentavam que era infeliz. Na verdade, infeliz não é a palavra certa pra definir José. Ele, simplesmente, não se permitia sentir nada. Acostumara-se com isso. Não sabia o que era felicidade nem tão pouco tristeza. Tinha ideias fixas e duras. A respeito da sua mulher, familiares, funcionários, cachorro, papagaio, porteiro, a moça que apertava o botão do elevador... e sobretudo a respeito de si. Entretanto, não se permitia pensar tanto nessas bobagens. Nada valia a pena.

Aliás, perdoem-me a falha. Havia uma coisa que valia a pena pra José: seu emprego. Em seus olhos vazios e fundos, o único resquício de emoção que conseguia-se enxergar era orgulho. Orgulho de sua empresa, de seu negócio. No fim, ele não conseguiu se tornar o melhor de todos como almejava, mas sentia-se superior à todas aquelas pessoas que trabalhavam na sua metalúrgica e que dependiam dele para ter um prato de comida. Chegava a sentir uma ponta de prazer, mas depois deligava-se disso. Ele não podia deixar de ser José, aquele que não sentia, que não tremia as pernas por nada. Nem se quisesse. Nem saberia como. 

Com o passar dos anos, metalúrgicas mais modernas e bem equipadas surgiram naquelas redondezas. Afogado em seus sórdidos pensamentos, José nem reparou que caminhava em direção ao fracasso. Seus empregados, cansados dos maus tratos e baixos salários, aos poucos foram deixando a empresa. Até que ela faliu. Foi então que, de forma inédita, José se viu sem controle sobre seu mundinho.

Sem dinheiro e sem poder, ficou também sozinho. Em outro momento isso não lhe incomodaria, ao contrário, a presença de sua família sempre lhe causou mais desconforto do que qualquer outra coisa. O fracasso, porém, foi como o monstro que José nunca havia temido na infância. Finalmente ele apareceu para lhe atormentar. E, pela primeira vez na vida, ele sentiu medo, tristeza, solidão. Agora, era mesmo um infeliz, como falavam. Mas pelo menos era algo. Pelo menos sentia algo. Enfim, José sentiu-se um. Sentiu-se humano. 

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