quarta-feira, 3 de abril de 2013

Um menino, sua avó, sonhos, um caderno e uma escrivaninha

Uma breve apresentação:
  • O menino: se chamava Pedro, era ansioso, astuto e criativo. Tinha muita pressa, embora fosse apenas uma criança. Vislumbrava a vida que um dia haveria de ter, esquecendo de viver sua meninice. Menino de poucas palavras e menos amigos ainda. Preferia ficar sozinho, lendo um livro, desenhando ou apenas conversando com sua avó sobre a vida, o futuro e seus sonhos.
  • A avó: Dona Ilda, ao contrário do neto, era calma, profunda. Aquele tipo de pessoa que lê a alma da gente. Seu olhar acalmava, seu abraço era doce e quentinho. Se preocupava com a ambição do neto, pois sabia que quanto maior o salto, maior a queda.
  • Os sonhos: alguns daqueles que todo menino tem na infância
  • O caderno: capa preta, páginas já um pouco amareladas pelo tempo. Foi um presente de Ilda para Pedro.
  • A escrivaninha: só mais um móvel antigo, sobre o qual Pedro se debruçava para desenhar.
Entrou correndo em casa, animado para mostrar o passarinho amarelo que estava na varanda. Dona Ilda ficou feliz em ver que coisas simples como um canário, a grama verdinha e a folhagem ainda encantavam seu neto. A meninice brincou por alguns instantes nos olhos dela, enquanto lembrava de quando brincava no jardim de casa. É lindo, disse ela, colocando a cabeça para fora da janela. Pedro sorriu timidamente. Sentou-se na escrivaninha da sala e, com algumas canetadas rápidas, desenhou o pássaro no caderno preto.   "Perfeito!", pensou, olhando para o passarinho na folha amarelada. Abraçou-o com força contra o peito.

Queria poder ser o maior desenhista do mundo um dia, mas as pessoas o falavam que desenhar não era bem uma profissão. Diziam que ele deveria ser médico, advogado, contador ou alguma dessas coisas chatas de adulto. Insistia que ia ser um desenhista muito rico, enquanto riam e afagavam sua cabeça. Sua avó dizia que ele podia ser o que quiser. Ah, ela parecia saber tudo o tempo todo, como quem lia um manual para vida. "Meu filho, a maior riqueza está dentro de você", dizia ao dar um beijo de boa noite no neto. Ele apenas balançava a cabeça dizendo que sim, embora não entendesse bem o que isso queria dizer.

Muitos desenhos, primaveras e sonhos depois, Pedro já não era mais um garoto. Sabe como é, todo mundo cresce e vai mudando ao longo do caminho. Não tinha mais avó. Morava com a esposa e filhos em uma casa linda, daquelas onde queria morar quando criança. Tinha quartos sobrando e várias plantas na varanda, onde os passarinhos pousavam e cantavam todas as manhãs. Ele não tinha mais o tempo que um dia tivera para os observar, mas ainda gostava de os ouvir cantar. Não era desenhista, mas podia desenhar no seu caderno nos finais de semana. Tinha uma família e precisava que cuidar dela, por isso escolheu um emprego que os sustentasse.

A vovó estava certa, afinal. Olhou para o céu, olhou para si e deu um largo sorriso. Rabiscou no caderno um cara feliz. Soube exatamente quem ele era naquele momento. Não era alguém de feitos grandiosos, não era um desenhista e definitivamente não havia se tornado o homem que um dia sonhou ser, mas teve uma sabedoria que muitos não tem: soube usar o seu coração, antes que a vida ou algum engraçadinho o fizesse. Afinal, ele era sua maior riqueza.

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